A Gestão de Processos (BPM) não é Automatização
Ferramenta – Metodologia – Disciplina, são três níveis lógicos diferentes que, para alguns, parece lícito submeter a uma espécie de centrifugação intelectual, a modo de “batedeira”, que produz uma amálgama de conceitos muito difícil de digerir.
Existe uma grande confusão de conceitos que é em boa parte originada pela competitividade inerente ao mundo do software corporativo, especialmente na área de BPM. Não é justo pensar que esta situação é propositada, inclusive porque criar confusão no mercado de compradores de software corporativo, afogando esses potenciais clientes num mar de informações e definições menos claras, não pode beneficiar ninguém. No entanto, se para alguns este é um assunto quotidiano, para muitos outros supõe uma informação complementar à qual convém prestar atenção, nesta conjuntura em que os assuntos relacionados com a transformação digital adquirem um protagonismo crescente.
A gestão de processos começa por ser um projeto de colaboração entre pessoas que “supostamente” conhecem o processo. É uma disciplina que pode utilizar várias metodologias para otimizar os processos empresariais, em termos de eficácia e eficiência.
Se nos referirmos ao glossário de Gartner podemos encontrar a seguinte definição:
“A gestão de processos de negócio (BPM) é uma disciplina que usa vários métodos para descobrir, modelar, analisar, medir, melhorar e otimizar processos de negócio. Um processo de negócio coordena o comportamento de pessoas, sistemas, informações e coisas para produzir resultados de negócios, como apoio à estratégia empresarial. Os processos podem ser estruturados e repetíveis ou não estruturados e variáveis. Embora não seja obrigatório, as tecnologias são frequentemente usadas com BPM. BPM é a chave para alinhar os investimentos em TI / OT à estratégia empresarial.”
Como se refere no final desta definição, não é obrigatório que sejam usadas tecnologias na gestão de processos, muito menos tecnologias dirigidas à automatização. Dito isto, sabendo que temos a tecnologia para nos servir e ajudar, nos nossos propósitos de melhorar o funcionamento das empresas, seria absurdo não a utilizar. No entanto, devemos ter presente o princípio de considerar a tecnologia em geral, e a automatização em particular, como um meio, nunca como um fim.
Tudo isto pode parecer muito obvio e até ser considerada como pouco pertinente a iniciativa de escrever um texto para tentar esclarecer coisas tão simples de entender, mas quando nos enfrentamos com a realidade de que, quando recebemos consultas, verificamos que existe a confusão a que nos referimos inicialmente, sentimos a obrigação de pôr as coisas em “pratos limpos”. Devemos esclarecer que não se trata de consultas de pessoas pouco esclarecidas, ou pouco formadas nas “artes” de management empresarial, senão de profissionais competentes que estão focados noutros aspectos da gestão e que não dispõem do tempo suficiente para acompanhar, dia a dia, a evolução meteórica de certas tecnologias emergentes.
Parece também importante esclarecer que quando dizemos anteriormente que as pessoas que colaboram num projeto de BPM conhecem “supostamente” os processos, referimo-nos à subjetividade que sempre existe entre as percepções de cada participante sobre as formas de interação entre cada uma das atividades ou tarefas que compõem um determinado processo. Em suma, referimo-nos ao comportamento real do processo “AS IS” que só pode ser determinado através da colaboração dessas mesmas pessoas. Mais uma vez, se demonstra que, nos sistemas de interação humana, o todo é sempre maior que a soma das partes. E é por aí que devemos começar!
Só depois de que um grupo de trabalho consiga realizar um trabalho de diagnóstico que permita revelar os pormenores necessários para poder modelar e documentar o processo, de forma tão próxima como possível à realidade do seu funcionamento atual, será então possível fazer uma análise séria e completa do mesmo. Chega então o momento de avaliar e decidir se é adequado, ou não, automatizar certas atividades ou tarefas do processo. Nunca antes! Não se pode automatizar algo que não se conhece.
Como se diz popularmente, pôr o carro à frente dos bois não pode dar bom resultado. Não existe nenhuma tecnologia de automatização que possa garantir, por si só, a superação das eventuais ineficiências de uma tarefa. Se estas não são detectadas e avaliadas corretamente, modelando o processo com as novas características que este deverá ter, atividade por atividade, não se poderá prever as consequências da sua automatização. Esta focagem nas atividades, e não só no processo, é muitas vezes descuidada e isso traz consequências indesejáveis. Mais uma vez se revelam inexatas certas siglas que podem induzir confusão: é o caso da sigla RPA (Robotic Process Automation) – o “robot” utiliza-se para automatizar atividades ou tarefas, não o processo como um todo.
Quando podíamos chegar a pensar que tudo isto já seria confusão suficiente para dificultar o trabalho de qualquer gestor no momento de tomar a decisão de adquirir um ou outro software verificamos, com surpresa, que alguns recentes artigos de natureza comercial continuam a atirar pedras contra os seus próprios telhados, chegando ao ponto de sugerir comparações ilegítimas, elucubrando sobre a maior ou menor conveniência de utilizar BPM ou RPA.
É muito simples entender por que é totalmente desacertada e ilegítima esta comparação: como já vimos anteriormente, são coisas completamente diferentes, além de estarem em níveis lógicos distintos. O BPM é uma disciplina que pode incorporar várias metodologias enquanto o RPA é um tipo de software para automatizar tarefas, mais ou menos complexas (exemplo simples: envio automático de um e-mail a um cliente ou fornecedor, com certo texto, em certas circunstâncias, determinadas por regras pré-definidas e pela lógica do processo em que está inserido).
Ainda que se possa entender, sem justificar minimamente, porque existem erros deste calibre na comunicação de muitos produtores deste tipo específico de software, as suas estratégias de comunicação, de uma forma geral, não parecem apontar para crescimentos muito sustentáveis.
Uma das origens da equivocação ao tentar comparar BPM e RPA reside noutra confusão importante na comunicação sobre BPM e BPMS. Mais uma vez não existiu o cuidado de evitar misturar coisas que pertencem a dois níveis lógicos distintos. O BPMS – Business Process Managment Suite – é um software que se pode utilizar para apoiar a realização de projetos dentro da disciplina de BPM.
Ferramenta – Metodologia – Disciplina, são três níveis lógicos diferentes que, para alguns, parece lícito submeter a uma espécie de centrifugação intelectual, a modo de “batedeira”, que produz uma amálgama de conceitos muito difícil de digerir.
Uma vez que nos referimos a aspectos lógicos, é conveniente recordar que, de um ponto de vista operacional, não pode ser aplicada a mesma lógica a todas as organizações e pré-definir o que é, ou não, adequado utilizar para desenvolver um projeto de Gestão de Processos -BPM. Em função da lógica de funcionamento de cada organização, da sua dimensão, da complexidade das suas operações e das suas infraestruturas, pode ser tão adequado utilizar um BPMS “prêt-à-porter” como desenvolver uma aplicação à medida, mais ou menos complexa, através de um “software developer” tradicional, assim como utilizar uma aplicação sofisticada de RPA ou simplesmente usar scritpts (bots) específicos para automatizar determinadas tarefas. Estas decisões devem ser tomadas em função da lógica e da estratégia de cada organização, apurada através da colaboração entre os responsáveis do negócio e os responsáveis das TI.
Com uma simples consulta em internet é possível verificar os resultados dos “survey reports” de entidades credíveis, sobre a expansão do negócio de RPA, assim como opiniões sobre as diversas causas pelas quais entre 30-50 por cento dos projetos de RPA falham. As boas notícias para os produtores deste tipo de software, apontam que as falhas não são um reflexo da tecnologia. As más notícias, orientam as culpas às metodologias incorretas utilizadas pelas empresas e aos mal-entendidos sobre a tecnologia.
As conclusões anteriores que se estão a transmitir ao mercado, não parecem uma forma inteligente de justificar as confusões geradas por esta pequena parte da “indústria” de software. Culpar o outro de mal entender o que eu comuniquei de forma deficiente, nunca foi uma boa política. Mas a melhor notícia parece mesmo ser a que se pode derivar das anteriores: isto é coisa de humanos, não de “robots”!
Como já afirmamos anteriormente, a gestão de processos (BPM) começa por ser uma interação colaborativa entre pessoas que pode acabar por dar origem, ou não, à automatização de certas atividades ou tarefas. Sendo assim, não parece equivocado seguir um dos princípios que nos devem orientar nos assuntos relacionados com os sistemas de interação humana: não perder muito tempo a procurar as causas de uma situação complexa indesejável para a tentar resolver, mas procurar entender como funciona essa situação para poder introduzir mudanças e fazê-la funcionar melhor.
Já entendemos que o mundo do software corporativo adora os acrónimos. Com eles chegam a descrever partes de software semelhantes, tendo algumas até o mesmo objetivo desde abordagens diferentes. Também já vimos um exemplo de consequências que se podem extrair das confusões a que tudo isso se presta, incluindo as armadilhas que nos podem levar a tentar comparar coisas incomparáveis. No entanto, para tentar ser coerentes e não perder mais tempo a procurar as causas, vamos optar por deixar uma pequena lista de alguns dos acrónimos que mais se usam no âmbito da Gestão de Processos, assim como das suas definições mais consensuais.
Assim, terminando a modo de mini glossário, esperamos ter podido contribuir para que cada um possa tirar as suas conclusões e entender melhor como estão a funcionar estas “coisas”:
BPM – já referido anteriormente
BPMN – Business Process Model and Notation – é uma notação que se tornou o padrão homogéneo no mundo da modelagem de processos de negócio. Em essência, é composto por vários grupos de elementos que abrangem a representação de objetos de fluxo, as suas conexões e outras ferramentas de ajuda.
BPMS – Business Process Managment Suites são aplicações com infraestruturas para apoiar projetos e programas BPM. Uma BPMS oferece suporte a todo o ciclo de vida de melhoria do processo – desde a descoberta, definição e design do processo até a implementação, monitorização e análise, para uma otimização contínua. Este modelo permite que os profissionais de negócios e TI trabalhem juntos de forma mais colaborativa ao longo do ciclo de vida do projeto.
(talvez a confusão referida anteriormente resulte da equivocação de comparar BPM com RPA em vez de BPMS com RPA. De todas as formas, apesar do erro ser menor, também não são comparáveis)
RPA – Robotic Process Automation é uma ferramenta de produtividade que permite ao utilizador configurar um ou mais scripts (que alguns fornecedores chamam de “bots”) para executar ordens específicas de maneira automatizada. O resultado é que os bots podem ser usados para imitar ou emular tarefas selecionadas (etapas de transação) dentro de um negócio geral ou processo de TI. Isso pode incluir a manipulação de dados, a passagem de dados de e para diferentes aplicações, o disparo de respostas ou a execução de transações.
BPA – Business Process Analysis – existem ferramentas de análise de processos de negócio que se destinam principalmente aos utilizadores finais de negócios que procuram documentar, analisar e agilizar processos complexos, melhorando assim a produtividade, aumentando a qualidade e tornando-os mais ágeis e eficazes. Essas ferramentas também podem suportar as funções de arquiteto de processos de negócios e analistas de processos de negócios e permitir que eles entendam melhor os processos de negócios, eventos, fluxos de trabalho e dados, usando técnicas de modelagem comprovadas.
Process Mining – mineração de processos – é uma técnica projetada para descobrir, monitorizar e melhorar processos reais (processos não assumidos ou parcialmente desconhecidos), extraindo informação disponível dos logs de eventos dos sistemas de informação. O Process Mining inclui: – Descoberta automatizada de processos (extração de modelos de processos de um log de eventos) e Verificação de conformidade (monitorizando desvios através da comparação entre modelo real e modelo desejado)