A importância dos processos de negócio no e-business
É óbvio que, neste momento, a necessidade de encontrar alternativas impulsiona a criação de opções “virtuais” para desenvolver negócios, seja do ponto de vista de um novo projeto de negócio ou de uma nova abordagem complementar e mais eficaz ao mercado, a partir do potencial inerente ao uso da internet. A incerteza generalizada que estamos experimentando, como nunca antes, justifica a invocação da máxima “Vistam-me devagar que tenho pressa” (atribuída a Napoleão Bonaparte) e a consideração de que prestar a máxima atenção aos processos de negócio é a maneira mais eficaz e eficiente de garantir uma empresa bem “vestida”.
A necessidade imperiosa, e urgente, de inovar para avançar com um novo projeto, ou com uma proposta alternativa que complemente um negócio existente, pode levar-nos a ignorar algumas considerações fundamentais para o processo de planificação que, em função de como se realize, pode conduzir-nos tanto ao sucesso como ao fracasso.
Em muitos casos, assume-se um conceito equivocado que deriva da distinção implícita entre negócios “virtuais” e “não virtuais”. É mais comum do que se pode imaginar, ver que alguns partem do princípio errado de que uma empresa que baseia as suas transações numa plataforma web não requer instalações de produção ou de distribuição. Claramente este não é o caso de qualquer empresa “virtual” que tenha transações de produtos físicos, tanto no caso B2C como no caso B2B.
Isso é muito mais óbvio no caso de uma empresa tradicional que começa a usar o e-business para expandir sua carteira de clientes e/ou aumentar as oportunidades de transações com seus clientes atuais. No entanto, para uma empresa “virtual” que acaba de ser criada exclusivamente com o objetivo de intermediar entre produtor e cliente, devemos considerar que sua atividade também requer instalações de produção e distribuição. Estas podem não ser da sua propriedade, mas “possui” a responsabilidade pelo bom funcionamento dos processos de negócio, para o cliente. Esse aspecto fundamental e vital é frequentemente subestimado devido a uma suposição sesgada do conceito de empresa “virtual” e a uma concentração excessiva na plataforma web, bem como na tecnologia associada.
Para que uma atividade de intermediação seja bem sucedida, deve fazer uma escolha cuidadosa dos seus fornecedores e distribuidores; garantir que os processos de negócio que estruturam e sustentam as suas atividades sejam os idóneos e compatíveis com os seus próprios processos. A questão é: Existe melhor forma de poder evitar o risco de que um mau desempenho de terceiros acabe por influenciar negativamente o seu serviço e arruinar a sua reputação?
Não se trata de fazer verdadeiras auditorias dos processos operacionais de fornecedores e operadores logísticos -prática amplamente utilizada por grandes empresas de sucesso- mas é cada vez mais necessário que cada empresa, independentemente da sua dimensão, tenha em conta este princípio da gestão de riscos. Principalmente no campo do e-business, quando sabemos que o nosso cliente final tem ao seu alcance a possibilidade de trocar de fornecedor com um simples click do mouse, o risco reputacional é o que mais importa acautelar. Parecerá então prudente considerar que alguns processos da cadeia de abastecimento (cadeia logística) não são da nossa responsabilidade?
Parece claro que não podemos controlar todos os processos operativos (processos de negócio) dos nossos fornecedores, mas pelo menos devemos ter cuidado para selecionar aqueles que tornam os seus processos transparentes, para que possamos garantir que estes sejam compatíveis com os nossos. Tudo isso também deve ser tido em conta na contratação do operador logístico de distribuição, pois, do ponto de vista do cliente final, a cadeia de abastecimento é inteiramente nossa! Não podemos esperar que, no novo cenário económico, as oportunidades de corrigir erros sejam as mesmas de antes.
Infelizmente para todos, neste momento temos um exemplo vivo, embora não comercial na sua raiz, mas pode ser assimilável para ilustrar este conceito. Referimo-nos ao “problema” da escassez de vacinas:
Entender-se-á melhor se forçarmos a terminologia e considerarmos como “intermediária” a equipa das autoridades europeias que negociou o “fornecimento” a todos os cidadãos da União Europeia (considerados como clientes finais). Dada a lacuna entre as previsões anunciadas e os resultados atuais de tal fornecimento, parece claro que essa equipa se focou muito mais nos aspectos de sua “plataforma” e nas formalizações contratuais do que na verificação dos processos dos seus fornecedores (fabricantes) e dos seus operadores logísticos (países).
Isso é evidente quando começamos a estar cientes tanto da incapacidade dos fabricantes para entregar as quantidades previstas e anunciadas por Bruxelas, como da confusão gerada no estabelecimento de prioridades e métodos de vacinação pelos diferentes países.
Em suma, a “plataforma” foi montada, tudo foi anunciado aos quatro ventos, mas não foi cerificada a adequação dos processos para poder cumprir com as expectativas criadas no “mercado”. A transparência, no que diz respeito à possibilidade de integração dos processos entre os diferentes operadores da cadeia de abastecimento, tem sido muito má, ou quase nula. Mesmo sem especular sobre outros aspectos que também não são claros, pudemos constatar, por exemplo, que após o anuncio do plano de abastecimento, começaram a ser conhecidas informações (disponíveis há anos na imprensa) sobre a escassez de certos tipos de areia, e, portanto, de vidro, que dificultaria a produção das ampolas necessárias para a vacinas.
As consequências imediatas dessa forma de planificar e de implementar o plano são as que todos estamos a ver. Que processos específicos podem ser alterados para minimizar os danos imediatos e os seus efeitos colaterais? Se não conhecemos os processos, nem participamos na sua elaboração, só podemos temos fé na melhoria.
O objetivo desta descrição não é especular sobre as causas exatas deste fracasso a que assistimos, mas permite-nos extrapolar conclusões sobre a importância do conhecimento dos processos operacionais, assimiláveis a qualquer empreendedorismo envolvendo a existência de uma cadeia de suprimentos. Nunca é suficiente acreditar que todos farão os seus “melhores esforços”.
A grande diferença entre estes dois âmbitos – empresarial e governativo – é que, no primeiro, as consequências de tal descoordenação processual entre as fases da transação seriam imediatamente pagas pelo promotor da iniciativa, pelo menos, por meio da sua insolvência e consequente encerramento da atividade.
Deixando à parte os pensamentos fatalistas, que já muitos nos sugere a realidade atual, podemos vislumbrar um horizonte mais positivo se assumirmos os conceitos e as práticas da disciplina de gestão por processos. Isto permite que nos afastemos de estratégias demasiado rígidas que nos conduzem a uma dicotomia drástica entre o que funciona e o que não funciona.
Estes conceitos estão intimamente relacionados com a gestão da qualidade por meio de uma abordagem interativa para a melhoria contínua de produtos, pessoas e serviços que se pode englobar no ciclo PDCA (Plan, Do, Check, Act). Planificar, Implementar, Verificar se funciona corretamente e Agir rapidamente para corrigir eventuais desvios relativamente ao que foi planificado; ciclicamente e continuamente, para evitar que os riscos se materializem.
No entanto, tudo isto se torna muito complicado se não tivermos um bom conhecimento das fases de execução operativa, através de uma clara “diagramação” ou modelagem dos processos.
Começar por elaborar um mapa dos nossos próprios processos de negócio, além de conhecer os principais processos de nossos parceiros (aqueles que se integram com os nossos) em toda a extensão da cadeia de abastecimento, permite-nos ter uma ferramenta de monitorização que ajuda a identificar claramente um eventual desvio grave que se pode estar a desenvolver, antes que seja tarde demais.
Embora isto já seja de extrema importância para a sustentabilidade de qualquer projeto de negócio, um sistema de gestão por processos não se esgota na prevenção de riscos reputacionais e das suas consequências. Quando uma empresa incorpora uma solução de e-business, não só se expõe a diferentes riscos, e alguns amplificados relativamente ao mercado tradicional, mas também se enfrenta a desafios que até agora podiam não estar no seu horizonte.
Operar comercialmente num mercado muito mais amplo, pode aumentar a base de clientes, mas também pode obrigar a enfrentar novos concorrentes e diferentes níveis de concorrência. Além de ter todos os desafios de uma empresa tradicional do ponto de vista logístico, também terá que atender a novos requisitos de eficiência para ser rentável. O simples aumento do volume de negócios, através de uma plataforma de e-commerce, não resolve o enorme problema logístico de entregar mais, rapidamente e talvez de forma mais atomizada, numa área geográfica muito expandida, cobrando os mesmos preços dos concorrentes tradicionais.
Por outro lado, existe também o desafio da modernização, incorporando funcionalmente a tecnologia, sem se ver submetido a uma espiral de ensaios e erros induzidos pelos hiper-entusiastas tecnológicos da famosa transformação digital. Até hoje, ninguém foi capaz de demonstrar ganhos de produtividade que só podem ser explicados pelo uso das TI. Parece evidente que a produtividade não é automaticamente alcançada com a utilização das TI. É preciso realizar muitas ações específicas para garantir que a tecnologia apoia corretamente os processos de negócio que compõem as operações empresariais.
Se as práticas de trabalho dos processos associados à satisfação das encomendas geradas pela plataforma web, estiverem desatualizadas e forem ineficientes, a produtividade será baixa e o serviço será deficiente. Para as empresas que estão ou querem entrar no e-business, assim como para as demais, a qualidade dos seus processos, em toda a sua cadeia de abastecimento (ou cadeia logística), é o que pode fazer a diferença em termos de produtividade e, portanto, também de competitividade.
A melhor notícia é que a prática tem provado que o potencial de mudança, e melhoria, existente nos processos de negócio atuais das empresas da economia tradicional, é praticamente incomensurável. Não estamos em momento de poder desperdiçar oportunidades e continuar a pretender alcançar resultados diferentes com a mesma forma de trabalhar na base das operações.
Não é razoável que o que para muitas empresas tem sido uma verdadeira “mina de ouro”, ao permitir-lhes eliminar ineficiências, melhorar a produtividade, a competitividade e, portanto, a sua rentabilidade, continue a ser considerado por outras um excessivo e extemporâneo investimento de tempo.
Parece ser o momento idóneo para relembrar a máxima “devagar que tenho pressa”.